sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

por caminhos tortos, mas sapientes

A tarde ia caindo devagarinho, lenta, como só as tardes de verão conseguem fazer.
O caminho era estreito, mas dava para caminhar lado a lado, como nós gostávamos de fazer, caminhar e falar.
Eram assuntos sérios, outros menos importantes, alguns banais outros sem jeito nenhum, daqueles para te tirar uma gargalhada como só tu sabias soltar.
Nunca houve um único "tema" tabu entre nós, dissertávamos sobre o que nos vinha à cabeça e a ocasião fazia o resto. Não tínhamos hora, ou local, as coisas aconteciam simplesmente, aqui ou ali, não interessava.
Um dia, daqueles de primavera, calor, fomos fazer um passeio de carro, subimos a colina, e foi ali mesmo no parque da igreja. Fomos tal como os outros iam, namorar, aquele era o sitio ideal. Fomos nós também.
Preparámos-nos para algo mais envolvente entre namorados, e começamos a falar, e nós falávamos, de tudo. Inclinámos os nossos bancos, o ambiente era propício ao romance e a algo mais.
Isso nunca aconteceu, falamos de Deus, quem era, onde estava, se valia a pena, e falámos...
Regressamos aos nossos destinos, não fomos para falar de Deus mas para intensamente viver um pouco da nossa juventude.
Preenchemos um espaço vazio que faltava às nossas conversas, duradouras no tempo, que a terra um dia há de por fim.
Os temas foram sempre diversos, saíam sem fazer sentido por vezes, eram assuntos de coisas, retalhos de contos, anedotas também...textos, longos, de métrica simples, mas plenos de tudo.
Percorremos o que deviamos percorrer, compreendemos, sorrimos, abraçamos, fizemos amor, discutimos, fizeste-me de mim um homem, daqueles a sério, ontem percebi isso,todos os dias percebo isso, essa é a tua essência... foi e tem sido curioso.
Nunca compreendi o teu plano, quando dei por mim a meio do livro, eu já estava só, percebi depois.
Senti a dor da tua ausência, penitenciei-me como os escribas do egipto antigo quando revelavam uma verdade proibida por lei. O sol nasceu hoje, tal como ontem e assim o fará amanhã. O vento vai continuar a soprar, devagar ora mais forte, mas sempre vai existir o vento, o sol, e os nossos caminhos, as nossas conversas. É tudo um caminho, uma vida...Mas desta vez eu vou dar o meu passeio sózinho, se vou sentir a tua falta, sim, fazes sempre, de dia, de tarde e à noite, até que o sono vença o pensamento, e aí deixas de existir. Nesse momento eu tenho paz.
- Há quanto tempo não beijas uma mulher ? Perguntaste-me.
- A ultima vez foi contigo, por isso já faz algum tempo... Respondi.
Continuámos, tu com as tuas perguntas de algibeira e eu obrigado a responder, porque sim , porque tu queres saber sempre tudo, e eu, tenho que te responder, senão nem o Diabo te atura.
Mas eu gosto...
Estava a ler uns excertos do Torga , agora entendo o senhor Doutor Adolfo Rocha, entendo as suas angustias humanas, o esquivar da vida, as suas fugas para São Martinho de Anta, eu estou quase como ele, tudo é mais claro.
- Vamos ao Chinês?! Perguntas-me. Eu respondo logo no instante.
- Nem é tarde nem é cedo...é mesmo agora!










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