Aos vinte lembramos de mudar de vida, e os outros acham imensa piada. Acham
que é um erro, é só mais uma aventura, que é um timing péssimo, que vai correr muito mal no fim de contas, ponto.
Mais valia sair por aí, com a malta, beber uns copos, passar o tempo com
qualquer coisa…
Até porque, quando se muda de vida aos vinte a coisa normalmente passa por
uma viagem, muitos dias numa caravana ou tenda velha emprestada, ou para os
finórios, algures no sul de Espanha, numa dessas estâncias da moda.
E isso toda gente sabe, é recorrente, já passou por toda gente…é normal!!!.
Boa sorte pá́, dizem-nos, e nós achamos que vai correr tudo bem. Que vai
ser a experiencia de uma vida. E é. Mesmo que corra mal. As coisas são assim
mesmo.
A vida dá mais uma cambalhota, e quando damos por ela estamos nos
quarenta e picos, e isso significa muitas das vezes mudar de vida outra vez.
Outra vez!
Porém, nestas “idades” quando se muda de vida a coisa pode ser mais dolorosa.
Os outros tentam achar piada. Mas não acham. Tentam compreender. Mas nem sempre
conseguem. Dizem, boa sorte pá, mas vê lá a tua vida. Olha que tens já tens
putos. Olha que já́ és quarentão. Tens a certeza que é mesmo esse caminho que
queres seguir?! Não, claro que não
temos. Estamos na maioria das vezes nas lonas
e à rasca, cheios de medo do que aí pode vir, é natural, não somos humanos?!
Os nossos amigos, os outros que não amigos, já muito dificilmente nos convidarão
para ir beber um copo, jantar ou outra coisa qualquer. Afinal a conversa é mesmo
séria e convém estarmos sóbrios. A lengalenga
é sempre a mesma, vê̂ lá pá́. Vê̂ lá o que vais fazer da tua vida, e depois
tens de arcar com os resultados.
Quando se muda de vida aos quarenta, a “viagem” ocorre dentro de nós,
não precisamos de mudar de local onde vivemos, é uma coisa cá dentro, da alma,
de decisões que tem de ser tomadas a bem de nós mesmos e do nosso “ninho” .
Pensamos, pensamos, choramos quando dá vontade, vamos até à última pinga de
sangues. É descobrir de que matéria somos feitos!
Descobrimos cabelos brancos, mais uma ruga aqui e acolá, já não aguentamos
certas merdas, já não temos
paciência…e isto dói muitas vezes – a alma aguenta sempre, o coração por vezes
é que não. E dói como o raio. Descobrimos ao mesmo tempo que somos mais fortes
que o aço e muito mais fortes do que pensávamos, somos muito mais tolerantes, muito
mais abertos, e flexíveis demais. O objectivo é viver aos pouco, aos bocadinhos
e disfrutar o que o nosso mundo, aquilo que está à nossa volta tem para nos
oferecer. Somos gratos, não há outro remédio…a não ser que nos saia uma lotaria
qualquer! Mas isso é tão redutor, tão pobre.
Depois, depois tudo passa e o tempo continua a passar e quando damos por ela
já temos 45 e pensamos…já passaram 4 anos!!!
Descobrimos que já não pensamos da mesma maneira, fomos obrigados a crescer
por diversas motivações de vida. Já não falamos das mesmas coisas, dos mesmos
assuntos, já mudamos de partido político, do vinho à mesa, dos velhos hábitos,
mudámos…simplesmente mudámos. E isso é bom.
Os mesmos amigos voltam de novo a convidar para jantar, para ir tomar café,
ir à praia, ir de férias, porque reparamos que eles deixaram de fazer
perguntas, porque a nossa vida aos seus olhos está “normalizada” , tem um
rumo e é seguro para eles a nossa presença. Temos um sentido, e uma vida
própria.
Quando reparo nisso, reparo que afinal estou igual, que não mudei, e que
afinal ninguém reparou. Estranho isso…
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