domingo, 18 de fevereiro de 2018

um bilhete na mão, sem data de regresso

"Voar é e será sempre a eterna inveja e frustração que o homem carrega na sua alma e aperta no seu peito quando vê um pássaro a planar ao sabor do vento.
Aprendemos a fazer um milhão de coisas, mas voar… Voar a “vida” não nos deixou. Talvez por saber que nós, humanos, aprendemos a pertencer demais aos lugares e às pessoas. E que, neste caso, poder voar nos causaria crises difíceis de suportar, entre a tentação de ir e a necessidade de ficar.
Muito bem. Aí o homem foi lá e criou a roda. A Kombi. A Trotinete motorizada. A Harley. O Boeing 747. E nós descobrimos que, mesmo sem asas, poderíamos voar. Mas a grande complicação foi quando nós percebemos que poderíamos ir sem data de regresso.
E assim começaram a surgir os corajosos que deixaram suas cidades de fome e miséria para tentar alimentar a família noutras capitais, cheias de oportunidades e monstros. Os corajosos que deixaram o aconchego do lar para estudar e sonhar com o futuro incrível e hipotético que os espera. Os corajosos que deixaram as cidades da pátria para viver oportunidades que não aparecem duas vezes. Os corajosos que deixaram, enfim, a vida que tinham nas mãos, para voar para vidas que decidiram encarar de peito aberto.
A vida de quem inventa de voar é paradoxal, todo dia. É o peito eternamente divido. É chorar porque queria estar lá, sem deixar de querer estar aqui. É ver o céu e o inferno na partida, o pesadelo e o sonho na permanência. É orgulhar-se da escolha que te ofereceu mil tesouros e odiar-se pela mesma escolha que te subtraiu outras mil pedras preciosas, os pais, os filhos, os amigos, esta ou aquela pessoa,  o cheiro da nossa terra, do nosso lare. E começamos a viver um roteiro clássico: deitar na cama, pensar no antigo-eterno lar, nos quilómetros de distância, pensar nas pessoas que amamos, o que elas estão fazer sem nós por perto, nos risos que nós não rimos com elas. É tentar, sem sucesso, conter um breve choro no canto do olho, e suspirar sabendo que nós somos os únicos responsáveis pelas nossas próprias escolhas. No dia seguinte, ao acordar, já está tudo bem, a vida escolhida volta a fazer sentido. Mas, sabemos bem, muito bem, que outras noites como essa virão."




Comentário/Texto de colunista brasileira.

1 comentário:

  1. Estou num momento de escolha. De voar para outra pátria, no caso a sua. É um sonho antigo que causa certa ansiedade pois já não tenho 18 anos, penso que 13 talvez ! :))
    Fico a pensar às vezes como será este momento. Um misto de coragem e assombro temperado com uma alegria infantil. Estou na torcida do melhor porque deveras acredito no melhor. Agora não posso pensar no que vou deixar pois sempre temos que deixar pra trás pelo próprio movimento da vida.

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