quarta-feira, 1 de março de 2017

a pulseira de junco

O miudo era esguio, sardento, de calções rotos e os chinelos de cor lilás faziam o modelito do menino mal amado da aldeia Velha da Ponte.
A Maria Nunca era a alcunha da mãe, meretriz de "profissão", viveu a sua vida de estrada em estrada.
De pai incerto, o miudo sardento, esguio, foi à escola e lá mostrou tudo aquilo que era capaz.
Sabia os nomes dos países mais longínquos, sabia os nomes das Capitais, fazia as contas como um mestre, e sabia nomes de rios desse planeta que chamamos Terra.
Era uma lufada de ar fresco naquele lugar, onde miseravelmente se aponta o dedo por tudo e por nada. Era o filho de uma puta da estrada. Contudo, era o mais inteligente de todos os alunos daquela aldeia serrana perdida no tempo, gente da terra e do tempo, gente dura, sem educação, uma lugar perdido.
Havia apenas um aotomóvel e era um taxi, ir ao médico era à vez. A vida era dificil naquela aldeia, dizia-se que Deus nunca tinha passado por ali.
O menino mais feio da aldeia, segundo todos, sem excepção, por ser filho de puta assumida, era sonhador, vivaço, espertalhão...tinha sonhos, mas desde muito cedo também percebeu o que era ser filho de alguém sem estatuto e de pai incógnito. Todsos os dias subia ao monte  só para ver o pôr-do-Sol, nunca saberemos o que correria naqueles pensamentos de menino.
Inês era filha de um mineiro da aldeia, bonita, de olhinhos verdes, tal como a mãe, fez-se amiga do menino sardento e esguio por ter pena dele. Brincaram juntos, passearam juntos, mas não passaram daí...Inês tinha pena do menino que ninguèm dava importância  por ser filho de quem era. A vida pode ser madrasta, na maioria das vezes, não escolhe as suas vitimas.
Inês fazia umas pulseiras de Junco, uma erva que nasce próximas dos ribeiros que quando seco tem uma resistência formidável.
No décimo aniversário do miudo sardento e esguio, Inês fez-lhe uma pulseira especial de Junco, e ofereceu-a como presente de aniversário. O menino sorriu, e fez um esforço para não deixar escorrer uma lágrima. Era o seu presente, o único que tivera, ainda por mais, feita pela menina mais bonita da aldeia.
O menino esguio, sardento, cresceu e fez-se rapaz adulto. Fez a escola até ao fim, com algum sacrificio da mãe retirada das andanças das velhas estradas nacionais, o local do seu "emprego".
Nunca mais ninguém perguntou pelo menino esguio e sardento, onde estava, o que fazia para colocar pão na mesa.
A aldeia mantem-se , com menos habitantes, alguns por lá ficaram, são pedreiros, pastores e agricultores. A velha mina encerrou, há muito tempo.
No outro dia, houve uma derrocada na serra, um homem sucumbiu ao peso mortal da rocha, outro gravemente ferido foi evacuado a muito custo pelo velhinho taxista da aldeia, quase cego, ainda via a estrada. Demorou uma vida até ao chegar ao hospital.
A familia do acidentado apareceu em numero no hospital ávidos por saber pelas novas do seu ente querido.
Uma enfermeira veio até à sala de espera para explicar o desenvolvimento daquela intervenção cirurgica muito complicada.
Algumas horas depois, o cirurgião saíu apressado passando por aquele gentio onde também se encontrava Inês, a menina dos olhos verdes, agora mulher adulta.
O cirurgião olhou para ela e endereçou-lhe um esboço do seu melhor sorriso, e enquanto seguia pelo corredor arregaçou a sua camisa deixando descair uma pulseira feita de Junco.
Inês deu conta daquele artefacto, igual aquelas pulseiras que só ela sabia fazer.
Olhou de novo para o médico cirurgião que fugia da sua vista, um homem sardento e esguio.


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